sexta-feira, abril 28, 2006

A VELHA FOTOGRAFIA DO INSTITUTO MODESTO

Tente o leitor encontrar uma certidão de casamento, passados quase cinqüenta anos das bodas, e verá quanta coisa inútil esconde-se em suas gavetas e armários: telefones de pediatras dos filhos que já passaram dos quarenta; passagens de avião da primeira viagem de trabalho a Recife; talões de cheques usados do banco fechado pelas autoridades monetárias há mais de vinte anos; propaganda da farmácia inaugurada e fechada você nem lembra mais quando; cardápio de restaurante de Amsterdam, pedido ao maître no meio de nosso primeiro porre europeu, lembrança da única e sempre saudosa visita à terra de Erasmo; chapinha de cerveja alemã; rolhas que não dá para lembrar as boas razões que as levaram para a gaveta; clips, grampos de mulher, palitos de fósforo; cigarros apagados na metade do uso; fotografias de toda uma vida - do pai, da mãe, da avó, daquela tia gorda que só encontrávamos nas festas de Natal, da madrinha paraibana, do primeiro colégio, de banho de mar [como se dizia antigamente, com direito a bóia e tudo mais]; cartões postais; e, entre tantos trecos inimagináveis, canetas Bic [ainda existem?] - aos montes, todas usadas - a revelar uma época em que os computadores não faziam parte do nosso mobiliário doméstico e profissional.

Inúteis para você, caro leitor - com o perdão do modo um pouco malcriado que lhe estou tratando - que não são coisas suas , não é a história de sua vida e não é sua a lágrima que corre solitária, agora, no rosto marcado pela idade e pela doença. Não é sua a fotografia da formatura no curso primário, no colegiozinho de subúrbio [do tempo em que não era feio morar no subúrbio de um Rio diferente do de hoje]; eu de roupa branca, orgulhoso, com o diploma na mão direita e o discurso feito momentos antes, fui o orador da turma, na esquerda; seu Jorge - professor e diretor do velho [ainda existirá?] Colégio Modesto, mulato magro e severo, de uma elegância que só agora descubro -, entre nós, esboçando um sorriso que víamos apenas nas datas festivas; o Horácio - morto pela estocada de um aluno da Escola Técnica Nacional, hoje CEFET, em confronto com os alunos do Colégio Militar, e que veio a dar nome ao larguinho no final da Gal.Canabarro, esquina de S.Francisco Xavier -, rindo , como sempre, até partir de vez; o Jorge da Silva, meu melhor amigo à época, que encontrei uma única vez, por acaso, quando se formava em Engenharia Florestal na Universidade Rural; e a Carola, Carolina, primeiro objeto de paixão de todos nós, meninos despertando para a vida; dos outros não lembro mais o nome; alguns reconheceria na rua, acredito, depois de quase sessenta anos daquele dia que marcou nosso desencontro pela vida.
Com três palavras, olhos rasos dágua, dirigi-me a Chaucer, meu amigo setentão - referindo-me a seu Jorge -, comigo quando descobri a fotografia: "Foi um educador!"

Lançado dia 25 último, terça-feira, pela Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura-UNESCO, o relatório "Educação para Todos 2006 - Professores e Educação de Qualidade". Brasil, Nicarágua e Panamá, revela o documento, são, na América Latina, os países cujos professores têm menor grau de formação [92% deles - da 1ª à 4ª série - no caso do Brasil, possuem apenas o magistéio: ensino médio mais um ou dois anos de estudo, conforme definido por aquela instituição]; Argentina e Chile, por exemplo, apresentam, respectivamente, 67 e 92% dos professores do curso primário com formação de ensino superior. Mais: maior apenas que as de Ruanda e Lesoto é nossa taxa de repetência - 21% - no mundo.

Doces e amargas lembranças despertadas por uma velha fotografia dos anos 40 e os registros da UNESCO para trazer à memória de autoridades - que nunca me leram nem lerão - que hoje, 28 de abril, é o Dia da Educação.

Bom-dia, Senhor Presidente Lula da Silva. Bom-dia, Senhor Ministro.
Valeria a pena ler o relatório da UNESCO [e começar a fazer o que lhes cabe]?