Confesso: não tenho a menor lembrança de como era executada a logística de transferência de tanta gente para o Estádio do Vasco; nem de como - parecia um passe de mágica - faziam chegar às suas mãos tantas bandeirinhas do Brasil e copinhos de guaraná [ou seria laranjada?] com cachorro-quente e [ou?] sanduiches de mortadela com queijo [muitas vezes, sempre ou quase sempre?]; também sem registro em minha memória, era a alegria da garotada naqueles idos dos anos 40, nas comemorações do Dia do Trabalhador.
Mas a glória mesmo era ver o Getúlio desfilando naquele carro de capota arriada, o mesmo gesto de todos os anos, o mesmo sorriso, o mesmo negrão alto caminhando ao lado carro, chapéu na cabeça, mais parecendo um príncipe etíope, fazendo contraponto à figura do presidente. Balançávamos nós, crianças - entre elas, eu - e adultos, as bandeirinhas brasileiras a cumprimentar o grande homem, o Pai dos Pobres, que, sem parar de sorrir pessoalmente para cada um dos presentes [era o que me parecia, então], circundava o gramado, lentamente, como em volta olímpica a homenagear o povo obreiro do Brasil.
Hino Nacional muito bem ensaiado, Banda Marcial dos Fuzileiros Navais [a que mais emocionava os participantes da grande festa] e, por fim, o discurso, sempre ansiosamente aguardado pela "massa de trabalhadores" presentes, nela incluida, ao que hoje entendo, a garotada feliz. Voz mais chegada ao agudo que ao grave - bem condizente com o todo daquele presidente gorducho de sotaque pampiano que jamais perdeu - Getúlio, indefectivelmente, iniciava sua mensagem ao povo naquela data festiva:
"Trabalhadores do Brasil..."
E o povão não o deixava prosseguir [palmas, palmas e mais palmas] como se estivesse a pedir bis pelas três palavrinhas mágicas. Não importava o que viesse a dizer Sua Excelência, de nada valia o conteúdo do texto preparado por sua equipe de colaboradores [falou-se, entre outros, que o general Góes Monteiro, a Adalgisa Nery e o Lourival Fontes teriam sido seus autores, não sei]. Importava era o "Trabalhadores do Brasil..." - até hoje em minha memória, pelo tom, pelo andamento com que era dito, pelo sotaque, pelo homem que o dizia...
Terminaram os desfiles do 1º de maio no campo do Vasco, tenho a impressão, com a queda da ditadura em 45. Não estou absolutamente certo do que digo: passados tantos anos muitas são as experiências passadas na vida deste blogueiro [quase septuagenário] que já estão arquivadas no escaninho do esquecimento. Mudei de colégio, mudei de casa, mudei de amigos. Mudou o Brasil.
Getúlio passou a ser Dr.Getulio quando eleito pelo voto popular em 50. Botaram o retrato do velho na parede novamente [só para lembrar aos mais novos: não eram muito bem vistos os chefes de família que, à época da ditadura getuliana não tinham o retrato do presidente na principal parede da casa]. Surgiu o "mar de lama" nos porões do Catete. Preso - e morto, anos depois, nas dependências de uma penitenciária onde cumpria pena por crimes que comandara - o negrão etíope que acompanhava, a pé, o carro do Pai dos Pobres dando a volta olímpica no estádio do Vasco. Mata-se o Dr.Getúlio "em nome do povo por quem tanto fez e nada pediu."
Televisão, televisão colorida. Novos costumes. Corrupção de cara nova. Nova ditadura [boa, mas boa mesmo, foi a "outra"]. Diretas já. Internet. Eleições, Collor de Mello, FHC.
E deu no que deu...
Agora, leitora, o pronunciamento é na televisão, via Embratel, a cores, para o Brasil e para o mundo. Ou Sua Excelência atual - em ataque não sei se de megalomania profunda ou maluquice mansa mesmo - não disse que "Não queria comparar o meu governo com o governo passado, porque isso seria como um Corinthians e Íbis. Queria comparar o nosso governo com toda a República, com o mundo todo [destaque nosso], para ver se em algum momento na história houve um governo com tanta participação dos trabalhadores"? Não parece aquela história do "diga, espelho meu, existe alguém no mundo mais..." dedicado ao trabalhador do que eu?
Pois é isso.
Não esqueci - e nunca esquecerei - o motivo pelo qual nunca vi meus pais nos festejos no campo do Vasco: minha mãe não podia deixar o marido sozinho na cama hospitalar montada em seu quarto, padecente de osteomielite, numa época em que não existia penicilina, sulfa, leite condensado nem radinho de pilha.
Não iriam, de qualquer forma, bem sei. Ou não eram os homens do DIP do Getúlio - aqueles muito parecidos com o negrão que morreu na penitenciária - de terno completo, paletó, gravata e aquele chapéu [aba larga] que iam prender meu pai, jornalista, por criticar o ditador no jornal em que escrevia? Só não o levavam por um motivo: o médico que o assistia avisava que posto fora da cama morreria na primeira esquina. E os homens do ditador tinham medo.
Morreu o Pai dos Pobres. Viva o Novo Pai dos Pobres.
Mas a glória mesmo era ver o Getúlio desfilando naquele carro de capota arriada, o mesmo gesto de todos os anos, o mesmo sorriso, o mesmo negrão alto caminhando ao lado carro, chapéu na cabeça, mais parecendo um príncipe etíope, fazendo contraponto à figura do presidente. Balançávamos nós, crianças - entre elas, eu - e adultos, as bandeirinhas brasileiras a cumprimentar o grande homem, o Pai dos Pobres, que, sem parar de sorrir pessoalmente para cada um dos presentes [era o que me parecia, então], circundava o gramado, lentamente, como em volta olímpica a homenagear o povo obreiro do Brasil.
Hino Nacional muito bem ensaiado, Banda Marcial dos Fuzileiros Navais [a que mais emocionava os participantes da grande festa] e, por fim, o discurso, sempre ansiosamente aguardado pela "massa de trabalhadores" presentes, nela incluida, ao que hoje entendo, a garotada feliz. Voz mais chegada ao agudo que ao grave - bem condizente com o todo daquele presidente gorducho de sotaque pampiano que jamais perdeu - Getúlio, indefectivelmente, iniciava sua mensagem ao povo naquela data festiva:
"Trabalhadores do Brasil..."
E o povão não o deixava prosseguir [palmas, palmas e mais palmas] como se estivesse a pedir bis pelas três palavrinhas mágicas. Não importava o que viesse a dizer Sua Excelência, de nada valia o conteúdo do texto preparado por sua equipe de colaboradores [falou-se, entre outros, que o general Góes Monteiro, a Adalgisa Nery e o Lourival Fontes teriam sido seus autores, não sei]. Importava era o "Trabalhadores do Brasil..." - até hoje em minha memória, pelo tom, pelo andamento com que era dito, pelo sotaque, pelo homem que o dizia...
Terminaram os desfiles do 1º de maio no campo do Vasco, tenho a impressão, com a queda da ditadura em 45. Não estou absolutamente certo do que digo: passados tantos anos muitas são as experiências passadas na vida deste blogueiro [quase septuagenário] que já estão arquivadas no escaninho do esquecimento. Mudei de colégio, mudei de casa, mudei de amigos. Mudou o Brasil.
Getúlio passou a ser Dr.Getulio quando eleito pelo voto popular em 50. Botaram o retrato do velho na parede novamente [só para lembrar aos mais novos: não eram muito bem vistos os chefes de família que, à época da ditadura getuliana não tinham o retrato do presidente na principal parede da casa]. Surgiu o "mar de lama" nos porões do Catete. Preso - e morto, anos depois, nas dependências de uma penitenciária onde cumpria pena por crimes que comandara - o negrão etíope que acompanhava, a pé, o carro do Pai dos Pobres dando a volta olímpica no estádio do Vasco. Mata-se o Dr.Getúlio "em nome do povo por quem tanto fez e nada pediu."
Televisão, televisão colorida. Novos costumes. Corrupção de cara nova. Nova ditadura [boa, mas boa mesmo, foi a "outra"]. Diretas já. Internet. Eleições, Collor de Mello, FHC.
E deu no que deu...
Agora, leitora, o pronunciamento é na televisão, via Embratel, a cores, para o Brasil e para o mundo. Ou Sua Excelência atual - em ataque não sei se de megalomania profunda ou maluquice mansa mesmo - não disse que "Não queria comparar o meu governo com o governo passado, porque isso seria como um Corinthians e Íbis. Queria comparar o nosso governo com toda a República, com o mundo todo [destaque nosso], para ver se em algum momento na história houve um governo com tanta participação dos trabalhadores"? Não parece aquela história do "diga, espelho meu, existe alguém no mundo mais..." dedicado ao trabalhador do que eu?
Pois é isso.
Não esqueci - e nunca esquecerei - o motivo pelo qual nunca vi meus pais nos festejos no campo do Vasco: minha mãe não podia deixar o marido sozinho na cama hospitalar montada em seu quarto, padecente de osteomielite, numa época em que não existia penicilina, sulfa, leite condensado nem radinho de pilha.
Não iriam, de qualquer forma, bem sei. Ou não eram os homens do DIP do Getúlio - aqueles muito parecidos com o negrão que morreu na penitenciária - de terno completo, paletó, gravata e aquele chapéu [aba larga] que iam prender meu pai, jornalista, por criticar o ditador no jornal em que escrevia? Só não o levavam por um motivo: o médico que o assistia avisava que posto fora da cama morreria na primeira esquina. E os homens do ditador tinham medo.
Morreu o Pai dos Pobres. Viva o Novo Pai dos Pobres.