sábado, maio 20, 2006

REBELIÃO EM SÃO PAULO NA VOZ DO "FINANCIAL TIMES". AQUI, CAÇA ÀS BRUXAS.

Matéria publicada quinta-feira última, 18/05, no Financial Times, assinada por Jonathan Wheatley, seu correspondente em São Paulo:

"Estado vira prisioneiro de líderes criminosos detidos

Temores sobre o modo como a rebelião do fim de semana terminou revelam crise de governabilidade

A vida em São Paulo retornou praticamente ao normal no meio desta semana depois que rebeliões em presídios e ataques à polícia e propriedades orquestrados pelo crime organizado deixaram 132 pessoas mortas e 53 feridas entre a noite de sexta-feira e a manhã de terça.Mas muitos se perguntam que espécie de normalidade é essa. A gestão dos eventos pelas autoridades, e especialmente a maneira como eles chegaram ao fim, sugeria uma falta de controle que indica uma crise de governabilidade.Embora para as famílias das vítimas o impacto tenha sido trágico, relativamente poucas pessoas foram diretamente afetadas pelos incidentes.
Mais amplo foi o medo que tomou conta da cidade na segunda-feira, quando o transporte público entrou em colapso -pelo menos 81 ônibus foram incendiados-, escolas e universidades fecharam, empresas mandaram funcionários para casa mais cedo e a Internet e as linhas telefônicas se encheram de rumores de que as escolas estavam sendo metralhadas, que um ataque maciço estava sendo preparado para as 6 da tarde e que a polícia ou os próprios atacantes imporiam um toque de recolher às 8 da noite.
Entre centenas de depoimentos, a atriz Beatriz Segall resumiu o clima: "Eu me sinto extremamente vulnerável. É óbvio que não estamos em paz. As coisas só vão piorar".
Mais eloqüente ainda foi uma entrevista transmitida pela Rádio Record de São Paulo na tarde de terça-feira. O repórter Dante Rodrigues fez contato com Orlando Mota Jr., conhecido como Macarrão, um líder do Primeiro Comando da Capital (PCC), a organização criminosa que orquestrou as rebeliões e os ataques.
Houve duas coisas notáveis nessa entrevista. Primeiro, Macarrão estava falando em um telefone celular de dentro da prisão. Segundo, ele parecia confirmar o que muitos temiam: os ataques terminaram porque o PCC mandou que fossem cancelados, depois de chegar a um acordo com as autoridades estaduais.
Toda a situação mudou", diz Bruno Paes Manso, um pesquisador do crime organizado. "O governo negociar e ceder é o pior resultado possível. Se eu fosse um bandido, entraria para o PCC imediatamente. Eles acabam de mostrar como são poderosos."
As autoridades estaduais negaram ter feito qualquer concessão. Mas admitiram que enviaram um advogado e três autoridades -da polícia, dos presídios e da justiça- para uma reunião na prisão com Marcos Willians Herbas Camacho, conhecido como Marcola, o líder principal do PCC.As autoridades dizem que a reunião ocorreu para que o advogado pudesse tranqüilizar a família de Marcola de que ele e outros líderes não estavam feridos. Mas Macarrão e outros ligados às negociações dizem que outras exigências foram satisfeitas: que a polícia antimotins não entraria nos presídios rebelados e que as restrições aos prisioneiros do PCC seriam reduzidas, como a proibição de visitas, e eles poderiam passar mais tempo fora das celas.
Se forem verdadeiras, as alegações confirmam o crescente poder do PCC de dirigir eventos dentro e fora do sistema carcerário do estado de São Paulo -um reflexo da situação em outros lugares no Brasil, especialmente no Rio de Janeiro, onde bandos poderosos formados nas prisões há duas décadas exercem o poder sobre a vida nos presídios e nas favelas da cidade.
O PCC foi formado em 1993 depois que a polícia antimotins sufocou uma rebelião no famoso presídio Carandiru em São Paulo e 111 prisioneiros foram mortos. Ele protestava contra o que Walter Maierovitch, um ex-oficial de segurança, chama de "superpopulação desumana" das prisões brasileiras, com os detentos dormindo em turnos por falta de espaço e grande incidência de doenças como tuberculose.
O PCC cresceu lentamente no início mas se expandiu depressa sob a liderança de Marcola, a partir de 2002. As autoridades continuaram negando sua existência, mas ele já mostrava seu poder. Em 2001 causou rebeliões em 29 prisões. Em 2003 ordenou o assassinato de Machado Dias, um juiz que havia mandado seus membros para prisões de segurança máxima.
Como o estatuto do PCC deixa claro, ele se dedicou desde o início não apenas a lutar por melhores condições mas também para se impor às autoridades carcerárias e oferecer serviços de apoio aos prisioneiros e criminosos ativos do lado de fora. Os membros pagam taxas mensais e uma porcentagem de seus rendimentos criminosos; a receita do grupo é estimada em R$ 1 milhão por mês.
O PCC também tem ambições políticas. Antes das eleições gerais em 2002 e novamente este ano, anunciou sua intenção de financiar candidatos, embora nenhum candidato tenha admitido receber seu dinheiro.
Apesar de seus objetivos políticos não estarem claramente declarados, ele diz que quer "liberdade, justiça e paz". Seria um erro, segundo Paes Manso, subestimar sua inteligência política. "Não é coincidência o PCC ter feito isso agora, no início da campanha para as eleições de outubro", ele diz.
Se o PCC queria embaraçar os candidatos presidenciais, conseguiu. Geraldo Alckmin, o ex-governador do estado de São Paulo, renunciou em março para disputar a presidência. Segundo uma pesquisa de opinião realizada pelo jornal "Folha de S.Paulo", 37% das pessoas o culparam pelos eventos do fim de semana.
Mais ainda, 39%, culparam o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, enquanto 55% culparam as autoridades judiciais.
Essas atitudes não são surpreendentes. Maierovitch diz que as autoridades constantemente fizeram concessões ao PCC para poder demonstrar ao público que está sob controle ou desapareceu. "A triste realidade é que o Estado hoje é prisioneiro do PCC", diz ele."

Enquanto isso, nestas terras brasileiras, alguns setores estão prioritariamente se preocupando sobre quem matou quem - e como - durante as rebeliões que o país viu, estarrecido, por tres ou quatro dias, nos noticiários das televisões e dos jornais. Querem os nomes e o destino que será dado aos corpos daqueles mortos que não usavam fardas em seu trabalho nem tinham identidades da Polícia Civil. Pouco importa - no que se refere a estes últimos -, é o que parece, o drama por que passam suas famílias, amigos e companheiros de trabalho.