Thales de Carvalho do Souto, apesar do nome de ministro - sua mãe, enquanto viveu, sempre lembrava - nunca passou de contínuo na redação de um jornal de quinta categoria. Destacava-se entre os companheiros de trabalho [desta forma tratava os jornalistas e repórteres] por ser um mal de vida congênito; jamais conseguira chegar ao fim do mês sem haver ultrapassado, em vales, o magro valor de seu contracheque. Era um teso, se me permite a franqueza minha bem posta na vida leitora.
Aposentou-se no final do governo Collor com aquele salário-mínimo de praxe e uns quebrados. Não dava nem para a meia Malzbier [que acompanhava o macarrão domingueiro de dona Perpétua, sua patroa, como costumava chamar a mulher], única farra que o acompanhou durante os quase quarenta anos de trabalho.
Tão feia ficou a situação que não custou muito e já estava ele fazendo uns biscates na vizinhança como auxiliar de pedreiro. Ajudou muito, sem dúvida: o macarrão virou frango ensopado e a Malzbier transformou-se em garrafa [inteira] de Itaipava. E assim, Thales de Carvalho do Souto, o homem que nasceu com nome de ministro [ou diplomata, conforme preferia a madrinha, louraça oxigenada que teve um caso com o dono do jornal de menina-moça até morrer daquela doença, como se dizia antigamente] foi levando a vida.
Votou sempre no Lula até vê-lo ganhar as eleições. Sentiu-se, honestamente, feliz por acreditar ver no novo presidente um brasileiro como ele: simples, humilde, batalhador, honesto.
E os primeiros anos se passaram. Até que um sem-vergonha qualquer começa a ameaçar, em princípio, os ministros do presidente; depois começaram a falar em um tal de mensalão [lógico que Thales não acreditou naquela conversa]; depois surgiram outras histórias querendo difamar o Lula [quem é que vai acreditar numa coisa dessas]; alguns caras da oposição falaram até no tal do impeachment, aquele negócio que fez o Collor deixar o governo [mas o Collor todo mundo sabia quem era, né?].
Aqueles papos deixavam nosso Thales com a cabeça fervilhando; sua vontade era sair pela ruas embolachando essa oposição descarada que só estava aí para desmoralizar um homem simples, que sempre batalhou na vida para chegar onde chegou.
Veio o tal escândalo das sanguessugas; outros amigos do presidente envolvidos [campanha da oposição para o homem não se reeleger]. E o movimento contra Lula aumentando e as eleições chegando.
Thales de Carvalho do Souto leu dia desses na banca do Carmelo, jornaleiro da esquina [só lia as manchetes dos jornais que ficavam pendurados; comprá-los, nem pensar...]: "Ministro Marco Aurélio diz que presidente abriu o saco de bondades". Não resistiu e leu um pouco mais do que dizia o jornal e que, em síntese, era o seguinte: o presidente do Tribunal Superior Eleitoral criticava a decisão de Lula da Silva que antecipava para setembro, o pagamento de metade do 13º salário aos aposentados e pensionistas da Previdência; lembrava ele que, às vésperas da eleição, parecia um golpe eleitoreiro para ganhar votos do povão mais humilde e que ele, presidente do TSE, poderia vir a ser obrigado a tomar algum tipo de providência; e disse mais: "Pelas pesquisas feitas, o presidente está tão bem... Por que fazer isto?... Só se pode fazer o que está escrito..."
Foi então que caiu a ficha. Nunca, em tempo algum, recebera como aposentado antecipação do 13º. Agora, faltando pouco mais de um mês para as eleições, não é que o Lula vem com essa de adiantá-lo. Só pode ser pra ganhar meu voto. Acho que aqueles caras da oposição estavam era certos. "Posso ser pobre, mas burro não sou não."
E soltou um sonoro palavrão, dirigido, com todo respeito, à senhora mãe do presidente, que, coitada, nada tem [ou teria] a ver com as manobras eleitoreiras do filho.
É, amiga, às vezes as coisas podem seguir caminhos que até a própria razão desconhece. Vamos esperar...