quinta-feira, outubro 05, 2006

DE CARECAS E NÃO CARECAS...ESTES, SIMPLESMENTE, DESAVERGONHADOS; AQUELES, PREOCUPADOS, APENAS, COM A APARÊNCIA

Disse Lavoisier que nada se perde na Natureza. Completo: sobretudo os companheiros de turma e o que escrevemos. Transcrevo, por esta razão, atualizada - e com a triste visão do que vemos em nossa terra nos dias de hoje - postagem publicada em julho de 2005, quando me veio à lembrança companheiro de turma dos anos 50, o velho Arapa, cearense chegado a estas terras de São Sebastião com seus dezesseis, dezessete anos.


Compenetrado, estudioso [não sei se o melhor adjetivo para tratar de seu desempenho escolar], cuidadoso com a saúde e a aparência, destacava-se dos companheiros de turma pelo comportamento - quase sempre sério, um pouco sisudo até, - bem diferente dos demais; dos cariocas e paulistas, sobretudo.

Alunos do Brasil inteiro se misturavam na turma, sempre prontos, todos, para uma boa esbórnia na companhia das meninas do Dancing Brasil e adjacências. Não que Arapa não participasse; estava sempre presente, mas meio enrustido, na moita. Nunca ninguém soube, com exatidão, com que mulheres se metia, quais suas preferências e experiências etc e tal. Você entende, caro leitor.

Não completara dezoito anos e seus cabelos, negros "como a asa da graúna", começaram a rarear. Exatamente como os de Almeidinha - moleque como a maioria dos moleques cariocas adolescente em fim de carreira - companheiro que não poderia ser computado entre seus mais íntimos; nada mais que um companheiro de turma. Não havia loção, remédio ou simpatia que Arapa dispensasse para evitar a queda dos cabelos; e ai daquele que fizesse referência, discreta que fosse - e a toda hora faziam, é óbvio - a respeito de seu início de calvície. Silenciava, passava as mãos na cabeleira, ainda razoável, fechava e abria os olhos, virava o pescoço para um lado e outro e, como se não estivesse falando com o interlocutor, soltava a frase que se tornou famosa entre os companheiros : "Eu estou ficando careca, sim; mas você também está."

Ninguém, nunca, deu mostras de se incomodar com a queda de cabelos de Almeidinha que, hoje em dia, bom que se diga, está tão careca - um pouco menos, se atentarmos bem - quanto o Arapa, que mudou um pouco o refrão: "Eu sou careca, sim; mas você também é."

Lembrei desse caso ao reler a coluna de domingo de João Ubaldo Ribeiro, publicada em 07/08/2005, n'O Globo. Atente a leitora de boa memória do pequeno trecho que dela [coluna], abaixo, transcrevo:

"...Entontecido, o cidadão testemunha o bordel de consciências e o cemitério de honradez que se instalou no Congresso. A afirmação “lá só tem bandido safado”, se não é verdadeira, é perfeitamente compreensível, na boca de qualquer brasileiro. Se há exceções, não lhes cabe a carapuça e, então, não a enverguem, mas eu não vou ficar com essa conversa de “honrosas exceções”. As exceções não têm por que se incomodar e, se se acham injustiçadas, ajam para que a instituição em que devem representar o povo se respeite.
A expressão “é tudo farinha do mesmo saco”, que a frustrada cartilha da língua que o governo tentou adotar, realmente não deve ser usada. Não por ser insulto aos parlamentares, mas à farinha, alimento às vezes único de milhões de brasileiros. Hesito em substituí-la por “estrume da mesma estrebaria”, pois este tem utilidade e poucos parlamentares podem gabar-se de serem equivalentes humanos a cocô de vaca. Mas serve. ...".


Não me julgue maluco, caríssimo leitor, ao misturar os políticos - em boa hora não nomeados pelo brilhante cronista baiano - com a careca do Arapa. Não são aqueles - em sua totalidade - "estrumes da mesma estrebaria"; mas é triste vermos a enxurrada de ministros em férias eleitorais, governadores recém-eleitos circulando nos gabinetes de Brasília, saxofonistas medíocres e derrotados ilustres em mais que perceptíveis manobras eleitoreiras para colocar nas ruas a "política do espelho retrovisor" que o bom e velho Arapa já exercitava nos anos cinqÜenta:
"Eu sou aético; mas você também é."