segunda-feira, outubro 09, 2006

POR ONDE ANDAM OS "PADRES DE PASSEATA" DE NELSON RODRIGUES?

Publicou a Folha de S.Paulo no dia 5 último, quinta-feira, a matéria assinada por Otávio Frias Filho - diretor de Redação daquele jornal - a que deu o título de "Yankees e rebeldes", e que abaixo transcrevemos. Vale a pena conhecê-la.


"Muito se tem escrito sobre a divisão do Brasil em duas metades que emergiu no domingo [01/10, dia das eleições]. Os jornais trazem mapas onde Rio, Minas, o Nordeste e o Norte aparecem em vermelho (Lula), enquanto São Paulo, o Sul e o Centro-oeste estão em azul (Alckmin).
Essa divisão entre "yankees" e confederados em nossa "Guerra Civil" eleitoral já foi enfocada sob seus dois prismas mais evidentes, o antagonismo de classe e a desigualdade geográfica. Grosso modo, o primeiro opõe as classes populares às classes médias. O segundo ângulo opõe o "Norte" ao "Sul".
Descontado o esquematismo desse tipo de recortes, há um terceiro prisma a acrescentar. É aquele que separa as regiões onde a presença do Estado na economia e na vida das pessoas ainda é muito grande (vermelho), daquelas áreas nas quais o peso do poder público é menor (azul).
O capitalismo se enraizou há muito tempo em São Paulo e no Sul, onde o dinamismo econômico prescinde, ao menos em boa parte, do Estado. Não por acaso é a região mais sensível ao único tema novo, em termos eleitorais, que surgiu nesta eleição: o da redução da carga tributária hoje próxima de 40% do PIB.
Embora se atribua a inclinação anti-Lula no Centro-oeste à crise da agricultura, essa região se mostra como típica geografia de fronteira, um eldorado de oportunidades, empreendimento pessoal e terras abundantes. Lugar onde vigora o "cada um por si, Deus por todos".
Em grande parte do Nordeste, e mesmo em Minas e no Rio, o cenário é outro. São regiões onde a onipresença do Estado remonta ao período colonial; são lugares onde o poder do Estado para contratar, subsidiar, autorizar verbas segue enorme, até por compensar a relativa debilidade da economia privada.
Talvez por isso, também, seja notória certa ausência de debate programático. No fundo, o programa de Alckmin se resume a menos Estado ou, no eufemismo publicitário, a Estado menor, menos caro e mais eficiente. E a plataforma de Lula se resume a garantir alguma compensação social, via Estado, em troca da liberdade para o mercado.
Alckmin, por sua vez, tem pouco vínculo orgânico com o que tem sido o PSDB até agora. O núcleo tradicional do partido gravita há 30 anos em torno de intelectuais paulistas, muitos deles uspianos, muitos exilados na ditadura, quase todos antigos marxistas que desacreditaram do marxismo durante o exílio.
Em termos geracionais e ideológicos, Alckmin significa outra coisa. Subiu na política pelas mãos de Mário Covas, a quem os "intelectuais" respeitavam, mas à distância. Em vez de ex-marxista, Alckmin é católico conservador; em vez de cidadão cosmopolita, ostenta com orgulho a marca do interiorano; em vez de sociólogo ou economista, é um gerente pós-ideológico."

Esta fotografia simples e direta do Brasil em que hoje vivemos e dos candidatos que pretendem governá-lo - feita por Otávio Frias Filho - demarca muito bem, em nosso entendimento, como deverá ser o desenrolar dos próximos encontros [chamados por seus patrocinadores de "debate"] se de novo vierem a acontecer entre os candidatos à presidência.

De alguns desencantados com a situação política pela qual passamos no momento ouvi críticas contundentes, ao que entendem como fuga dos participantes da contenda à discussão dos temas fundamentais - políticas e programas de governo - que, no entendimento de tais críticos, deveriam ter sido levados à pauta em lugar de, por exemplo, como se verificou, a discussão sobre o tema segurança.

Também gostaríamos de saber dos senhores Da Silva e Alckmin como imaginam promover a reforma tributária do país; como pretendem incentivar a agro-indústria e equacionar os problemas do campo; que matriz energética desejam adotar; que prioridades darão para a educação em cada um de seus níveis; como pensam solucionar os problemas da saúde e dos transportes; como se vai conduzir o saneamento básico no país, das maiores às menores cidades; como promover a reforma previdenciária; como fazer para conduzir a reforma política; qual o caminho que pretendem dar, como um todo, às questões de segurança pública; como fazer para melhorar as condições de vida do povo brasileiro nelas incluídos os programas habitacionais et caterva.

Vêm-me à memória, não sem razão, talvez, o verbo desconstruir [de utilização cada vez maior nos últimos tempos] e o genial Nelson Rodrigues, criador das maravilhosas figuras do Almeidinha, do Padre de Passeata, da Adúltera do Subúrbio, do Idiota da Objetividade e tantas outras.

Perguntará a doce leitora a razão das lembranças. Explico: porque só ele, Nelson, seria capaz - num só golpe - de desconstruir a figura dolorosa em que se transforma o senhor Lula, quando obrigado, por dever de ofício, a pensar nas divisões [geográficas, políticas e econômicas] que nos estão impondo e tão bem retratadas na matéria de Otávio Frias . A não ser que a disputa, imagino, se realize com os companhêro do sindicato no bar freqüentado por eles há mais de vinte anos.

E olha que eu sou da metade menor de uma outra divisão que anda circulando pelas cabeças mais malucas da terra, não tratada acima, por irrelevante, suponho: o Brasil dos brancos e o Brasil dos não-brancos [e os mulatos, por exemplo, por onde andam?].

Pensem nisso, caríssimos assinantes, que os que estão aí para pensar a respeito, não pensam.