terça-feira, agosto 25, 2009

ASINIGNATO, O BURRO QUE VESTIU A PELE DO LEÃO

Outra história, amigo, do tempo em que os animais ainda falavam.

Quem me contou, pela primeira vez - era um domingo de chuva, lembro bem -, foi Vó Aurora. Era em dias como aquele que ela reunia [no quarto que meu pai batizara como a biblioteca da casa] o neto mais velho [eu] e a garotada da vizinhança, para contar, entre fatias de bolo de abacaxi e sucos de uva, maracujá e laranja, aquelas histórias de bichos, pessoas e sereias que ficaram gravadas em minha memória, até hoje, passados mais de sessenta anos.

Contei uma delas [para o encanto - e minha surpresa - de meu neto mais novo, conhecedor profundo dos segredos da Informática como se vê em poucos com seus mesmos doze anos de praia], domingo último, que me trouxe à lembrança aquele em que dela [história] tomei conhecimento: a do asno que encontrou uma pele de leão.

X X X

A mãe de Asinignato, o Asno herói de nossa narrativa, levou muito tempo para se transferir, em busca de uma vida melhor - com o filho e os burrinhos seus irmãos -, para o lado mais próspero da floresta. Explico: nas terras em que Asinignato nasceu não havia maiores oportunidades de trabalho senão aquelas voltadas para a diversão dos humanos. Era o lado alegre da floresta; lá, os bichos mais brincavam que se dedicavam a alguma atividade produtiva. E foi, sobretudo, pela necessidade de dar uma ocupação para os filhos que sua mãe providenciou a mudança para a região da floresta onde o trabalho era mais importante que o lazer.

E foram eles para o sul - pois era lá que se encontrava trabalho - das extensas terras em que viviam.

X X X

Bom que se diga não se terem voltado Asinignato e seus irmãos com muito empenho para os hábitos que encontraram no sul. Melhor para eles era viver na terra em que se criaram desde o nascimento, as festas locais, os rios, os amigos de infância, as frutas que não existiam em nenhum outro lugar, as moças, ah! as moças de suas matas.

Mas, a severidade da mãe que os levou para trabalhar em empregos modestos, é bem verdade - o que fez com que gostassem menos daquela parte da floresta -, estava acima de tudo; e Asinignato e seus irmãos ficaram apenas com os sonhos, as lembranças da terra natal...

Até o dia em que nosso herói encontrou uma pele de Leão que alguns caçadores haviam deixado ao sol para curtir.

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Foi uma festa. Não custou muito cobriu-se com a pele do Leão e, de maneira que não fosse visto com facilidade, postou-se atrás de uma moita à margem da estrada. Cada vez que homens e animais passavam à sua frente, Asinignato se aproximava como se o Rei dos Animais fosse; todos fugiam com sua aproximação e nosso herói cada vez mais se divertia com a brincadeira de mau gosto.

Tanta era sua alegria que, em dado momento, sem perceber o que fazia, ergueu a voz e zurrou - uma duas, três, quatro vezes - imaginando-se, de verdade, um Leão.
Asinignato não levou em conta apenas um detalhe[tal sua emoção ao fazer com que os outros acreditassem ser o que não era] que, de imediato, foi registrado pela Raposa: leões urram, não zurram.

X X X

Envergonhado, Asinignato ouviu as vaias dos bichos e pessoas que o cercavam e haviam sido suas vítimas. Ninguém mais lhe deu crédito.
Voltou para o lado da mãe e dos irmãos burrinhos e foram todos morar em outra parte da floresta.


Completava Vó Aurora, debaixo das palmas da garotada:
"Não adianta um toleirão tentar iludir os outros por força das roupas que veste e da boa aparência que revele.
Suas palavras, em pouco tempo, o denunciarão e ninguém mais acreditará nele."