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Foto: Paulo A.Teixeira/Alma Carioca
Doutor Mario, para os que não sabem, é o Mario Saladini, meu vizinho de porta, Presidente de Honra e Perpétuo, no minimo, do "Clube dos Cafajestes", grupo de rapazes impossível de sobreviver neste Rio de hoje, em que os cafajestes são identificados com c minúsculo mesmo.
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Amigo de meu pai, jornalista e político como ele - daqueles políticos que não mais se encontra nas casas legislativas de hoje -, vi-o entrar um dia em meu edifício, com a gargalhada que manteve até seus últimos dias, lá se vão cerca de 40 anos, com a Neli [sua mulher, que se transformou em minha irmã], mala, cuia, Francisca [da Ala das Baianas dos "Foliões de Botafogo" - para onde me encaminhou e à minha mulher - responsável, Francisca, pelos cuidados com seus três filhos enquanto dela necessitaram] e sua cachorrinha. Mudava para o 201.
Detalhe: nosso prédio tem, apenas, dois apartamentos por andar; moro no 202. Viramos vizinhos de porta e irmãos - ou teremos sido pai e filho?
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Não há que contar como cresceu nossa amizade: foi exatamente como cresceram todos as amizades do Saladini. Ele, que não conseguiu ter inimigos. No máximo, alguns chatos que tinham inveja de sua alegria contagiante e que estremeceram quando sugeriu que mudassem a cara das favelas. E só.
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Dos fatos mais importantes de sua vida e que registrava com orgulho e carinho: foi ex-aluno do Colégio Militar [da turma de Thomaz Coelho, dizia eu]. Jamais conseguiu ser Quadro de Honra; mas, era graduado, como graduados eram os componentes da Banda. Saladini era corneteiro, sim senhor, o que o levou a ser conhecido pelos companheiros de turma, pelo resto da vida, como "Corneteiro".
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Foi remador do Flamengo, time de seu coração por toda a vida e irmão de Olga Navarro - que tive o orgulho de conhecer e me tornar amigo-, a primeira atriz brasileira protagonista de "La Putain Respecteuse", de J.P.Sartre.
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Exerceu funções diplomáticas mundo afora: andou pelo México, França, Inglaterra, Portugal e não sei mais por onde. Contava histórias de suas andanças que até Deus duvidava.
Conheci seu Carlos Cachaça, da Mangueira, e outras figuras de destaque da Escola, por suas mãos. Minha mulher subiu o morro levada pelas mãozinhas pequenas do neto de Cartola.
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Seus últimos anos de boêmio passou-os, sobretudo, na mesa dos coroas na varanda do Guanabara que dá para a Ataulfo de Paiva [Churrascaria Guanabara, para os não tão íntimos da casa]. Não deixou os amigos sem o tradicional almoço das quintas-feiras, para o desespero dos filhos, até duas semanas atrás.
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Senti que, aos noventa e quatro anos, a vida já não lhe oferecia a alegria de viver de sempre, quando me chamou e devolveu o retrato de meu neto mais novo, que expunha entre as fotos dos de sua família: "Guarde-o bem. É melhor ficar com você do que aqui."
É do mesmo dia a pergunta que me fez [ou falaria com o Senhor fazendo de contas que conversava comigo?] - olhando em direção ao Cristo Redentor [que se via de sua janela], mãos postas -, e que jamais vou esquecer: "Que Deus é esse que não vem logo me buscar?".
Não comentei com ninguém. Havia lágrimas em seus olhos. Dois dias depois foi internado para não mais voltar.
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Há tantas coisas a dizer a seu respeito, Saladini, que daria um livro maior que o escrito por você. Depois a gente conversa...