... do senhor Lee Bollinger(*) - em 24 de setembro de 2007, na Universidade da Columbia [EE.UU] - antes de conceder a palavra ao presidente iraniano:
“Ouvir idéias que nós deploramos não implica endossá-las nem é sinal de fraqueza ou ingenuidade diante dos perigos reais inerentes a essas idéias [...] Uma das premissas cruciais da liberdade de expressão é que não tornamos honrada a desonra quando abrimos o debate para que ela se manifeste [...] Que fique claro de uma vez por todas: este evento não tem absolutamente nada a ver com o ‘direito’ de quem fala, mas apenas com o nosso direito de ouvir e falar. Fazemos isso por nós [...] Essas e outras execuções coincidiram com a selvagem repressão contra ativistas estudantis e professores, acusados de fomentar a chamada ‘revolução suave’ [...] Como disse a doutora Esfrandiari em uma entrevista, ela ficou presa numa solitária por 105 dias porque o governo acreditava que os Estados Unidos planejavam uma 'Revolução de Veludo' no Irã. Nesta mesma sala, no ano passado, nós aprendemos alguma coisa sobre a 'Revolução de Veludo' de Vaclav Havel. E ouviremos algo semelhante de Michelle Bachelet, presidente do Chile. Estas duas histórias extraordinárias lembram-nos de que não há prisões suficientes para impedir uma sociedade que queira ser livre de ser livre. Nós, nesta universidade, não temos receio de protestar contra o nosso governo e de contestá-lo em nome desses valores. E não temos receio de criticar o seu governo. Vamos deixar claro de saída: senhor presidente, o senhor exibe todos os sinais de um ditador mesquinho e cruel. E eu lhe pergunto: por que as mulheres, os membros da religião Baha’i, homossexuais e muitos dos nossos colegas professores são alvos de perseguição em seu pais? Por que, numa carta ao secretário geral da ONU na semana passada, Akbar Gangi, um dissidente, e outras 300 personalidades, entre intelectuais, escritores e laureados com o Prêmio Nobel acusam que a sua retórica inflamada contra o Ocidente busca desviar a atenção do mundo das condições intoleráveis que o seu regime criou dentro do Irã, em especial o uso da Lei de Imprensa para banir os críticos? Por que o senhor tem tanto medo de que os cidadãos iranianos expressem suas opiniões em favor de mudanças? [...] O senhor me deixa liderar uma delegação de estudantes e professores da Columbia para falar na sua universidade sobre liberdade de expressão, com a mesma liberdade que lhe garantimos hoje? O senhor fará isso? [...] Em dezembro de 2005, num programa da TV estatal, o senhor se referiu ao Holocausto como uma invenção, uma lenda. Um ano depois, o senhor apoiou uma reunião de negadores do Holocausto. Para os iletrados, os ignorantes, isso é propaganda perigosa. Quando o senhor vem a um lugar como este, isto faz do senhor simplesmente um ridículo. Ou o senhor é um provocador descarado ou é espantosamente mal-educado [sem formação intelectual]. O senhor precisa saber que a Columbia é um centro mundial de estudos judaicos e, agora, em parceria com o Instituto YIVO, de estudo do Holocausto. (…) A verdade é que o Holocausto é o mais documentado evento da história humana. (…). O senhor vai parar com esse ultraje? [...] Doze dias atrás o senhor disse que o Estado de Israel não pode continuar a existir. Isso repete inúmeras declarações inflamadas que o senhor tem feito nos últimos dois anos, incluindo a de outubro de 2005, segundo a qual Israel tem de ser 'varrido do mapa'. A Columbia tem mais de 800 ex-alunos vivendo em Israel. Como instituição, temos profundos laços com nossos colegas de lá. Eu, pessoalmente, tenho me manifestado com força contra propostas de boicotar estudantes e especialistas de Israel dizendo que isso seria boicotar a própria Columbia. Mais de 400 colegas e reitores neste país pensam o mesmo. Minha pergunta, então, é: 'O senhor planeja nos varrer do mapa também?' [...] De acordo com o Council on Foreign Relations, está bem documentado que o Irã é patrocinador do terror, financiando grupos violentos como o libanês Hezbollah, que o Irã ajudou a organizar em 1980, e os palestinos Hamas e Jihad Islâmica. Enquanto o governo que o precedeu colaborou com os Estados Unidos na campanha contra o Taliban, em 2001, o seu governo está atacando sorrateiramente as tropas norte-americanas no Iraque, financiando, armando e garantindo livre trânsito para líderes insurgentes como Muqtada al-Sadr e suas forças. Há inúmeros relatos que ligam o seu governo com os esforços da Síria para desestabilizar o frágil governo do Líbano por meio da violência e do assassinato político. Minha questão é esta: por que o senhor apóia organizações terroristas que continuam a golpear a paz e a democracia no Oriente Médio, destruindo vidas e a sociedade civil na região? [...] O general David Patraeus afirmou que armas fornecidas pelo Irã […] estão contribuindo para a sofisticação de ataques, 'que não seriam possíveis sem o apoio do Irã'. Muitos formados da Columbia e estudantes estão entre os bravos militares que estão servindo ou serviram no Iraque e no Afeganistão. Eles, como outros americanos com filhos, filhas, pais, maridos e mulheres que estão em combate vêem, certamente, o seu governo como inimigo. O senhor pode lhes dizer e a nós por que o Irã está lutando uma guerra que não é sua no Iraque, armando a milícia Shi’a, alvejando e matando tropas americanas? [...] Nesta semana, o Conselho de Segurança da ONU avalia ampliar as sanções contra o Irã pela terceira vez porque o seu governo se recusa a suspender o programa de enriquecimento de Urânio […] Por que o seu país se recusa a aderir ao padrão internacional de verificação de armas nucleares, em desafio a acordo que o senhor fez com a agência nuclear das Nações Unidas? E por que o senhor escolheu fazer o seu próprio povo vítima dos efeitos das sanções internacionais, ameaçando fazer o mundo mergulhar na aniquilação nuclear? Deixe-me encerrar com este comentário. Francamente, com toda sinceridade, senhor presidente, eu duvido que o senhor tenha coragem intelectual de responder essas questões".
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(*) Presidente [reitor, como dizemos aqui] da Universidade da Columbia.
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Tudo o que Bollinger disse, dirigindo-se a Ahmadinejad, ocorreu em evento dedicado às questões iranianas organizado pela Escola de Assuntos Públicos e Internacionais da instituição que preside.
Lá é assim.
No Brasil, até o momento, com raras e honrosas exceções [ver, abaixo, trecho de matéria de autoria do filósofo Denis Rosenfeld], os intelectuais calam.
"... A vinda de Ahmadinejad [ao Brasil] se faz, precisamente, depois de uma 'eleição' condenada nacional e internacionalmente por ter sido fraudada, até por aiatolás do próprio regime, inclusive um ex-presidente e um ex-primeiro-ministro. Mesmo eles se insurgiram contra a guinada cada vez mais totalitária do regime, procurando, assim, distinguir duas formas de islamismo: o radical, de tendências totalitárias, e o que não o é. Foram escorraçados, menosprezados, e alguns de seus aliados e parentes, torturados e assassinados. Os clamores foram gerais, com a população ousando ir às ruas para protestar. E o fez com coragem, porque teve de se enfrentar com a famigerada 'Guarda Revolucionária', uma espécie de SS do governo iraniano. Enquanto isso, o presidente Lula contentou-se em dizer que se tratava de um mero jogo de futebol, com os perdedores chiando por sua derrota. É uma afronta aos que, lá, lutam pela democracia, pelas liberdades".
[Filósofo Denis Rosenfeld - em 23/11/2009 - n'O Estado de S.Paulo]