sexta-feira, maio 05, 2006

O RETROCESSO DE NOSSA POLÍTICA EXTERNA (4)

"...A política externa petista vem se mostrando exibicionista e desastrosa. O presidente da república, que pouco ou nada entende do assunto, jacta-se de ter conquistado um papel proeminente no mundo, servindo como referencial para assuntos os mais variados, e ingenuamente acredita nisso. Atuou como cabo eleitoral de Evo Morales, que agora vira-lhe as costas. O Brasil, como comentou Elio Gaspari em recente artigo, distanciou-se de quem deveria ter se aproximado (Argentina e Chile); aproximou-se de quem deveria ter mantido distância (Venezuela e Cuba); perdeu tempo com países inúteis (Namíbia, Gabão) e oportunidades com aliados tradicionais (Uruguai e Paraguai). Tentou conquistar a presidência da OMC, e para isso não hesitou em desqualificar o candidato uruguaio; não alcançou o objetivo e ganhou a desconfiança do vizinho. Em busca de uma cadeira no Conselho de Segurança da ONU, fez concessões (como o desastroso reconhecimento da China como economia de mercado, que de fato não é) e não conseguiu o apoio prometido em troca. Tomou iniciativas folclóricas, como a tentativa de criar um imposto mundial contra a pobreza, taxando vendas de armas, passagens aéreas e coisas desse tipo. Enquanto, como comenta Gaspari, Lula acredita que redesenha o mapa geopolítico do mundo, o Mercosul vai a pique, comido pelas bordas por uma teia de acordos bilaterais bem trabalhados pela diplomacia comercial americana.O cenário evidencia com clareza que Hugo Chávez é o verdadeiro referencial na América do Sul, e não Lula. Apesar dos seguidos apoios do governo brasileiro a Morales e Chávez (tendo inclusive Lula declarado que a Venezuela é um exemplo de abundante democracia), as verdadeiras afinidades de Morales são com Venezuela (que deu imediato apoio à expropriação recém praticada) e Cuba, formando a trinca que mais desanca ataques aos EUA e aos seus acordos com Colômbia, Peru e outros. Se eleito Ollanta Humala no Peru, nacionalista sintonizado com Chávez, o panorama tende a se agravar. A crise aberta no seio da Comunidade Andina esvazia sua integração com o Mercosul, o que seria o sustentáculo da Comunidade Sul-Americana de Nações, inventada pelo governo Lula sob a alegação de que promoveria a integração geopolítica da região, e que não parece resistir a esses solavancos. Note-se que, nesta recente aflição causada ao Brasil pela Bolívia, não brotaram manifestações de solidariedade ao Brasil de parte de seus mais tradicionais parceiros: Kirchner manifestou-se discretamente, e Uruguai e Paraguai preferiram o silêncio (fruto das opções equivocadas de nossa Política Externa ao longo de anos recentes, priorizando os parceiros errados).Se hoje as posições mais imediatamente conflitantes residem na obtenção de petróleo e gás como propulsores da economia, amanhã outras riquezas naturais assumirão lugar prioritário. A água tornar-se-á commodity escassa e preciosa. Lembremos, apenas para exemplificar, da cobiça internacional pela biodiversidade e pela água doce da Amazônia; e do potencial do Aqüífero Guarani, guardando mais de 44.000 quilômetros cúbicos de água doce (suficiente para abastecer continuamente 360 milhões de pessoas) no subsolo de quatro países sul-americanos (Argentina, Paraguai, Uruguai e Brasil, sendo que 70% das reservas estão em território brasileiro, formando um reservatório cuja área corresponde à soma das áreas da Inglaterra, França e Espanha). Se hoje não conseguimos administrar nossas diferenças sobre óleo e gás, e se não conseguimos nos entender no âmbito do Mercosul, será que saberemos administrar a água, sob as fortes pressões de uma previsível carência mundial?À diplomacia brasileira faltam, nesse cenário, visão geopolítica e geoestratégica; e ao nosso governo, como ficou demonstrado pelas pífias manifestações diante do problema causado pela Bolívia, faltam cultura política, visão histórica e firmeza. Há despreparo para o presente e para o futuro, pois outros contenciosos virão.É preciso retirar a ênfase do nacionalismo xenófobo e radical que, no mundo irreversivelmente globalizado, não se coaduna com a integração sócio-econômica dos povos, especialmente sob o prisma regional das áreas em desenvolvimento. Administrar os interesses nacionais com coloridos ideológicos pode render votos, mas é um convite ao desastre, cuja conta será paga pelas gerações futuras."