sexta-feira, maio 05, 2006

O RETROCESSO DE NOSSA POLÍTICA EXTERNA (3)

"...A exacerbação do nacionalismo e do populismo eleitoreiro (que tira partido da desinformação e da ignorância das massas) permite revelar um cenário preocupante no continente, que até há poucos anos atrás não vislumbrava contenciosos que não pudessem ser resolvidos pela via diplomática e das negociações. A Bolívia, que dias antes havia vedado a presença no país da siderúrgica brasileira EBX, nacionalizou por decreto as reservas de gás e petróleo, atingindo frontalmente os interesses brasileiros, e colocou tropas guardando as refinarias. O Equador, movido pela mesma onda, ameaça elevar de 30 para 50% a parte governamental nos lucros das empresas estrangeiras, e nesse contexto encontra-se de novo a Petrobrás, que lá investiu milhões de dólares. O presidente venezuelano Hugo Chávez trocou publicamente insultos com o candidato à presidência do Perú, Alan Garcia, e o Perú retirou seu embaixador de Caracas "para consultas". Álvaro Uribe, da Colômbia, acusa Chávez de apoiar as FARC, ao mesmo tempo que é por este acusado de servir ao "imperialismo ianque" (termo desbotado, mas sempre reutilizável). A Venezuela afasta-se da Comunidade Andina, alegando Chávez que, face aos acordos bilaterais de Peru e Colômbia com os EUA, o pacto perde sentido. Uruguai e Argentina estão em severas discórdias sobre a construção de fábricas de celulose às margens da fronteira comum do rio Uruguai. O Chile, menos contaminado por ideologias embalsamadas (apesar de ter sido eleita uma mandatária socialista), segue seus próprios caminhos, negociando bilateralmente com China e EUA acordos de livre comércio, sem tecer as menores considerações sobre o Mercosul. O problema das fronteiras marítimas chilenas, decorrente da Guerra do Pacífico (1879-1884), quando o Chile anexou territórios da Bolívia e do Peru, volta à baila com o recente decreto peruano que as modifica unilateralmente, sob protestos de Santiago. Tropas americanas, que já se faziam presentes na Colômbia, estabelecem-se também no Paraguai, mediante acordo entre governos, de olho na tríplice fronteira (de onde, segundo analistas americanos, saem vultosos recursos para financiar o terrorismo internacional, Al Qaeda e outros). A Argentina, como se não bastasse a aventura da fracassada tentativa de retomar as Ilhas Falklands (Malvinas, segundo os argentinos) duas décadas atrás, vê seu presidente voltar a reivindicar a soberania sobre o arquipélago. O presidente do Uruguai, Tabaré Vázques, desgostoso com o tratamento pouco atencioso que o Mercosul dá aos seus problemas, anuncia seu desligamento do bloco econômico no qual seu país está fisicamente plantado. O cenário é de desintegração regional.No fulcro do problema do gás natural, vê-se que o alentado super-gaseoduto de 20 bilhões de dólares unindo Venezuela, Brasil e Argentina não é objeto de consenso, pois sequer os estudos de viabilidade econômica podem chegar a termo, dado que a Venezuela nega-se a informar o volume de suas reservas e que a inclusão da Bolívia (segunda maior reserva de gás do continente, só atrás da Venezuela) não encontra muita simpatia do Evo Morales, como se pode depreender de seus atos. O nacionalismo populista pode sobrepujar a lógica econômica. Dado que caberia ao Brasil bancar a maior parte do investimento da gigantesca obra, impõe-se a prudência de, antes, bem avaliar a confiabilidade dos parceiros (podendo-se concluir, ao final, que melhor seria investir na exploração de nossas próprias reservas de gás, soberanamente).Que integração regional é essa? A resposta parece estar em que a diplomacia não se faz com viés ideológico, recheado de ingredientes desagregadores como populismo, anti-americanismo, anti-imperialismo, anti-capitalismo, desordem rural e tantos outros igualmente nocivos. Em lugar de perseguir uniões ideológicamente polarizadas, cuja única utilidade é satisfazer ao ego dos saudosistas do marxismo, há que laborar acordos comerciais que, atraindo investimentos e gerando negócios rentáveis para as partes, resultem em efetivo desenvolvimento regional; e, por via de conseqüência, estimulem a integração dos povos, sob interesses comuns. A integração moderna é sócio-econômica, e não ideológica.Merece ênfase especial a questão do anti-capitalismo e da negação das regras de mercado, bandeira ruinosa de muitas vertentes socialistas, já testada com retumbante fracasso no Leste Europeu e na Ásia. A Rússia, a China e os países do Leste Europeu são o melhor exemplo de ruptura com esse conceito ultrapassado, com visíveis ganhos para o bem estar social. Como alertou Friedrick Von Hayek em A Pretensão Fatal: os erros do socialismo (1988), é um equívoco de sérias conseqüências desconsiderar as práticas e princípios que tornaram possível a extensa ordem de cooperação voluntária da civilização ocidental, assumindo que se pode adotar regras alternativas que apelem para instintos de solidariedade. A opção entre a ordem de mercado e o socialismo se transforma, segundo Hayek, em uma questão de sobrevivência, na qual o capitalismo gerador de negócios e empregos, operando ao sabor das regras mercadológicas, inquestionavelmente mostra-se vencedor. Como comentou Paulo Guedes em recente artigo em O Globo (02/01/06): "É compreensível que por solidariedade, por nossa identidade latino-americana, tenhamos simpatia e compreensão por figuras como Fidel, Chávez e Morales. Mas só a desonestidade intelectual, a ignorância econômica ou a cegueira ideológica podem atribuir ao surrado discurso socialista e populista que praticam qualquer esperança de um futuro melhor para seus povos". Guedes lembra, ainda, que passado mais de meio século da desastrada profecia de Joseph Schumpeter em seu clássico Capitalismo, Socialismo e Democracia (1942), prevendo o inevitável colapso do capitalismo e a transição mundial para o socialismo, o que ocorre é precisamente o contrário (até mesmo na China!). Só os saudosos do marxismo não enxergam essa evidência...
(CONTINUA)