sexta-feira, maio 26, 2006

VIOLÊNCIA E TERROR NA AMÉRICA LATINA NA VISÃO DE UM ALEMÃO (1)

Correspondente no Rio do jornal alemão "Der Spiegel", o jornalista Jens Glüsing enviou matéria para aquele jornal, publicada no dia 23 deste mês, e que recebeu o título de "Violência na América Latina: o reino das sombras das máfias". Considerada sua extensão a transcrevemos em duas partes.

PRIMEIRA PARTE

"A violência recente em São Paulo pode ser apenas a ponta do iceberg: em muitas partes do Brasil, assim como por toda a América Latina, os governos capitularam aos gângsteres e a ascensão do crime organizado poderá encerrar a inclinação para a esquerda na América Latina.
Caçambas de lixo bloqueavam a rua que levava à favela de Vigário Geral, uma das mais perigosas do Rio de Janeiro. Um visitante se aproximou da barricada e dois jovens emergiram das sombras de um prédio próximo. Eles estavam carregando metralhadoras e revólveres estavam enfiados em suas calças. "Você quer ir à igreja, né?" o mais velho perguntou educadamente ao estranho. "Nós vamos levar você lá... somos registrados."
Um garoto afastou as caçambas. Os jovens colocaram seus rifles Kalashnikov no banco de trás do táxi e orientaram o motorista pelas ruas labirínticas. O pastor Marco Freitas recebeu seu convidado diante da igreja da Assembléia de Deus, uma seita protestante. O pastor conhecia os dois jovens: "Eles me respeitam; eles freqüentemente vêm ao culto. É apenas durante as ações policiais que as coisas ficam perigosas".
Mas ações policiais raramente ocorrem. "Nós geralmente somos avisados com antecedência", disseram os jovens. Eles escoltaram o visitante de volta ao acesso à estrada e se despediram. É ali que o território deles termina e começa o da lei e ordem do Brasil - o Brasil do "asfalto", como a máfia das drogas o chama.
A favela de Vigário Geral faz parte do reino das sombras das gangues do narcotráfico e seus soldados altamente armados. O território não está marcado em nenhum mapa. Gângsteres paramilitares controlam a maior parte das cerca de 700 favelas do Rio. Os chefões do tráfico decidem se a companhia elétrica instalará uma nova linha de força ou não; eles decidem quando a pré-escola fecha e quem pode visitar o pastor. Eles formaram um governo paralelo - como os dos presídios de São Paulo, das favelas de Caracas e Medellín, das ruas de Acapulco e da Cidade do México.O crime organizado está em ascensão por toda a América Latina. A organização mafiosa mais importante no Rio se chama Comando Vermelho; sua principal fonte de renda é o tráfico de drogas nas favelas. São Paulo é controlada pelo PCC (Primeiro Comando da Capital). Suas áreas de perícia incluem assaltos a banco e roubo de carga; ele também controla o tráfico de drogas nos presídios.
Gangues de seqüestradores espalham medo e terror em Caracas e na Cidade do México. Os cartéis da cocaína controlam a área ao redor da fronteira norte do México. El Salvador, Guatemala e Honduras são território dos "Maras", gangues de rua de adolescentes que vivem principalmente da extorsão. Os paramilitares e guerrilheiros da Colômbia levantam dinheiro com o tráfico de drogas e seqüestros.

Regredindo na história
Um continente inteiro está regredindo no tempo. A disseminação da violência e do crime mostra que grandes partes da América Latina estão longe de se juntarem aos países industrializados de ponta do hemisfério Ocidental. Ao expandirem constantemente seu poder, as gangues demonstram a fraqueza dos governos da região; onde há um vácuo de poder, as gangues assumem. "O crime organizado só pode sobreviver enquanto permanecer impune", disse Alba Zaluar, uma pesquisadora brasileira especializada no estudo da violência, "de forma que ele cria seus próprios territórios para assegurar que não será punido lá".
As democracias freqüentemente decrépitas da América Latina são presa fácil. A Justiça mal funciona na maioria dos países; os policiais são freqüentemente corruptos e cooperam com os narcotraficantes. Muitos políticos podem ser facilmente comprados e cargos parlamentares são vistos como oportunidade de enriquecimento pessoal.
Os eventos da semana passada demonstram quão poderosas se tornaram as gangues de São Paulo - os esquadrões de gângsteres lançaram a maior cidade da América Latina em um estado de terror por dias. Eles realizaram 293 ataques, assassinaram 41 policiais e agentes de segurança, incendiaram 83 ônibus e dispararam tiros contra uma estação do metrô e um posto do corpo de bombeiros. A polícia assustada reagiu com violência incomum, matando 107 suspeitos em sete dias. Muitos dos moradores da cidade ficaram com medo de sair de suas casas. Escolas e lojas ficaram fechadas por medo da violência. A metrópole agitada se transformou em uma cidade fantasma.
O PCC foi responsável pelo terror. Seu chefe, o assaltante de banco preso Marcos Willians Herbas Camacho, conhecido como "Marcola", queria resistir à sua transferência para um presídio de alta segurança. Ele coordenou o ataque contra o governo pelo seu telefone celular, pedindo por rebeliões em 73 presídios controlados pelo PCC.O governo capitulou após várias noites de terror. Uma delegação do governo visitou o chefe do PCC em sua prisão, a 600 quilômetros da capital. A delegação prometeu fornecer aos presos do PCC 60 televisores para que possam assistir à Copa do Mundo de futebol. Ela autorizou que os chefes recebessem "visitas íntimas" de namoradas e esposas e decidiu que não era mais necessário vestirem uniformes de presos. A violência cedeu poucas horas depois, tanto fora quanto dentro dos presídios. Marcola ordenou que seus homens recuassem..."
(Final da Primeira Parte - Continua)