Correspondente no Rio do jornal alemão "Der Spiegel", o jornalista Jens Glüsing enviou matéria para aquele jornal, publicada no dia 23 deste mês, e que recebeu o título de "Violência na América Latina: o reino das sombras das máfias". Considerada sua extensão a transcrevemos em duas partes.
SEGUNDA PARTE (Final)
"...Material de que são feitos os mitos
Tais vitórias são o material de que são feitos os mitos. As gangues continuam recrutando assassinos menores de idade - "Bin Ladens" é como os chamam - entre os centenas de milhares de adolescentes desempregados das favelas da periferia de São Paulo. Hinos são cantados para Marcola e o PCC. O slogan que os governantes secretos de São Paulo escolheram para si mesmos foi tirado de "Os Três Mosqueteiros" de Alexandre Dumas - "Um por todos, todos por um".
Esta romantização do crime espalhou seu encanto por toda a América Latina. Para a maioria dos adolescentes, o ídolo clássico latino-americano não é mais o guerrilheiro de esquerda, mas o membro de gangue. Músicos mexicanos glorificam os chefões do narcotráfico em canções populares, ou "narco-corridas". Pablo Escobar, o rei da cocaína, morto a tiros enquanto tentava fugir em 1993, é celebrado como herói nacional em muitas das favelas de Medellín, Colômbia.
Os presídios estão entre os ninhos mais importantes de atividade mafiosa. As penitenciárias latino-americanas com excesso de lotação são verdadeiras "escolas do crime", segundo Zaluar. Os gângsteres decidem quem vive e quem morre. Os traidores e informantes são decapitados.
A estrutura organizacional rígida das gangues é baseada na das guerrilhas de esquerda. Membros das Farc, o grupo guerrilheiro colombiano, atuam como conselheiros da máfia das drogas do Rio. Marcola, o líder do PCC, se orgulha de ter lido "A Arte da Guerra", um clássico escrito 500 anos antes de Cristo pelo general chinês Sun Tzu. Os presídios onde ele recruta seus seguidores são tratados por ele como "faculdades" e o próprio PCC é o "Partido do Crime".
No Brasil, o avanço do crime organizado está causando problemas para a campanha de reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Para a eleição de outubro, o presidente esperava se posicionar como líder de um país em processo de industrialização, progredindo economicamente e politicamente estável. Agora os velhos problemas do Brasil - corrupção eviolência - o estão alcançando. As condições caóticas em São Paulo estão fazendo os investidores estrangeiros pensarem duas vezes antes de investir no Brasil - e Lula, que sempre quis ser um mediador, agora deve se apresentar como alguém capaz de enfrentar duramente o crime.
Um fim para a inclinação da América Latina à esquerda?
A disseminação do crime organizado pode muito bem colocar um fim à inclinação do continente à esquerda vista nos últimos anos. Na Colômbia, um centro internacional de narcotráfico, os eleitores deverão reeleger o presidente de direita Alvaro Uribe no próximo fim de semana -um defensor da lei e ordem. No México, onde a luta contra o crime organizado está dominando a campanha eleitoral, o candidato conservador Felipe Caldéron tomou o lugar do populista de esquerda Andrés Manuel López Obrador como o candidato presidencial mais popular nas eleições que serão realizadas em julho.
Mesmo o caudilho da Venezuela, Hugo Chávez, o político vitrine da esquerda latino-americana, acabará tropeçando "na desordem em seu próprio país", prevê o economista americano Norman Gall, que morou e lecionou na América Latina por anos. Caracas agora é considerada a cidade mais violenta do continente. Não apenas a Venezuela possui o índice mais alto de homicídios do mundo, segundo um recente estudo da ONU, mas o índice triplicou entre 1998 e 2005.
Um crime particularmente brutal causou uma onda de manifestaçõesantigoverno: três crianças com 12, 13 e 17 anos foram seqüestradas juntamente com seu chofer no final de fevereiro; seus cadáveres foram encontrados depois de 40 dias. Elas foram mortas com tiros na parte posterior da cabeça, estilo execução.
Os manifestantes acusaram Chávez de negligenciar o combate ao crime e à corrupção. "Muitas pessoas votaram em Chávez porque esperavam que ele agiria contra a violência", disse o especialista em segurança Marcos Tarre. "Mas o governo não desenvolveu uma política clara nesta área."
Enquanto Chávez fornece petróleo barato aos governos aliados de todo o mundo, o terror manda nas ruas de Caracas. Em Perare, a maior favela do país, muitas pessoas se recusam a sair de suas casas à noite por temor das violentas gangues de ruas de jovens, conhecidas como "pandillas". Os policiais são considerados corruptos; muitos estão envolvidos em seqüestros e assassinatos.
Um ex-policial que trabalhou como matador foi responsável pela morte do fotógrafo de jornal Jorge Aguirre, assassinado no início de abril. Aguirre, que trabalhava para o jornal "El Mundo", estava preso em um congestionamento de trânsito, a caminho de um protesto contra o crime organizado, quando um motoqueiro vestido de preto parou ao lado de seu carro. O assassino desceu da moto e disparou vários tiros fatais contra o fotógrafo.
Enquanto morria, Aguirre conseguiu tirar várias fotos com a câmera digital em seu colo. As imagens tremidas não serviram apenas como um documento da violência diária que atormenta a América Latina - elas também ajudaram a identificar seu assassino."
SEGUNDA PARTE (Final)
"...Material de que são feitos os mitos
Tais vitórias são o material de que são feitos os mitos. As gangues continuam recrutando assassinos menores de idade - "Bin Ladens" é como os chamam - entre os centenas de milhares de adolescentes desempregados das favelas da periferia de São Paulo. Hinos são cantados para Marcola e o PCC. O slogan que os governantes secretos de São Paulo escolheram para si mesmos foi tirado de "Os Três Mosqueteiros" de Alexandre Dumas - "Um por todos, todos por um".
Esta romantização do crime espalhou seu encanto por toda a América Latina. Para a maioria dos adolescentes, o ídolo clássico latino-americano não é mais o guerrilheiro de esquerda, mas o membro de gangue. Músicos mexicanos glorificam os chefões do narcotráfico em canções populares, ou "narco-corridas". Pablo Escobar, o rei da cocaína, morto a tiros enquanto tentava fugir em 1993, é celebrado como herói nacional em muitas das favelas de Medellín, Colômbia.
Os presídios estão entre os ninhos mais importantes de atividade mafiosa. As penitenciárias latino-americanas com excesso de lotação são verdadeiras "escolas do crime", segundo Zaluar. Os gângsteres decidem quem vive e quem morre. Os traidores e informantes são decapitados.
A estrutura organizacional rígida das gangues é baseada na das guerrilhas de esquerda. Membros das Farc, o grupo guerrilheiro colombiano, atuam como conselheiros da máfia das drogas do Rio. Marcola, o líder do PCC, se orgulha de ter lido "A Arte da Guerra", um clássico escrito 500 anos antes de Cristo pelo general chinês Sun Tzu. Os presídios onde ele recruta seus seguidores são tratados por ele como "faculdades" e o próprio PCC é o "Partido do Crime".
No Brasil, o avanço do crime organizado está causando problemas para a campanha de reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Para a eleição de outubro, o presidente esperava se posicionar como líder de um país em processo de industrialização, progredindo economicamente e politicamente estável. Agora os velhos problemas do Brasil - corrupção eviolência - o estão alcançando. As condições caóticas em São Paulo estão fazendo os investidores estrangeiros pensarem duas vezes antes de investir no Brasil - e Lula, que sempre quis ser um mediador, agora deve se apresentar como alguém capaz de enfrentar duramente o crime.
Um fim para a inclinação da América Latina à esquerda?
A disseminação do crime organizado pode muito bem colocar um fim à inclinação do continente à esquerda vista nos últimos anos. Na Colômbia, um centro internacional de narcotráfico, os eleitores deverão reeleger o presidente de direita Alvaro Uribe no próximo fim de semana -um defensor da lei e ordem. No México, onde a luta contra o crime organizado está dominando a campanha eleitoral, o candidato conservador Felipe Caldéron tomou o lugar do populista de esquerda Andrés Manuel López Obrador como o candidato presidencial mais popular nas eleições que serão realizadas em julho.
Mesmo o caudilho da Venezuela, Hugo Chávez, o político vitrine da esquerda latino-americana, acabará tropeçando "na desordem em seu próprio país", prevê o economista americano Norman Gall, que morou e lecionou na América Latina por anos. Caracas agora é considerada a cidade mais violenta do continente. Não apenas a Venezuela possui o índice mais alto de homicídios do mundo, segundo um recente estudo da ONU, mas o índice triplicou entre 1998 e 2005.
Um crime particularmente brutal causou uma onda de manifestaçõesantigoverno: três crianças com 12, 13 e 17 anos foram seqüestradas juntamente com seu chofer no final de fevereiro; seus cadáveres foram encontrados depois de 40 dias. Elas foram mortas com tiros na parte posterior da cabeça, estilo execução.
Os manifestantes acusaram Chávez de negligenciar o combate ao crime e à corrupção. "Muitas pessoas votaram em Chávez porque esperavam que ele agiria contra a violência", disse o especialista em segurança Marcos Tarre. "Mas o governo não desenvolveu uma política clara nesta área."
Enquanto Chávez fornece petróleo barato aos governos aliados de todo o mundo, o terror manda nas ruas de Caracas. Em Perare, a maior favela do país, muitas pessoas se recusam a sair de suas casas à noite por temor das violentas gangues de ruas de jovens, conhecidas como "pandillas". Os policiais são considerados corruptos; muitos estão envolvidos em seqüestros e assassinatos.
Um ex-policial que trabalhou como matador foi responsável pela morte do fotógrafo de jornal Jorge Aguirre, assassinado no início de abril. Aguirre, que trabalhava para o jornal "El Mundo", estava preso em um congestionamento de trânsito, a caminho de um protesto contra o crime organizado, quando um motoqueiro vestido de preto parou ao lado de seu carro. O assassino desceu da moto e disparou vários tiros fatais contra o fotógrafo.
Enquanto morria, Aguirre conseguiu tirar várias fotos com a câmera digital em seu colo. As imagens tremidas não serviram apenas como um documento da violência diária que atormenta a América Latina - elas também ajudaram a identificar seu assassino."